Tenho 22 anos, beirando 23. Logo-logo 24, 25... 27...
quiçá! Não escrevo diário, tenho receio de mim mesmo. Receio do que escrever
sobre o que desconheço. Eu, eu apenas coleciono vidas inanimadas; réplicas paralisadas
de um eu espetacular que lança timidamente movimentos previsíveis, tais quais
os espectros. Minha gramática é monossilábica: torpe e curta. Não é à toa que me
dirijo a outrem com o artifício da alcunha: Fá, Fê, Si, Rê, Vi. Talvez não
tarde e chegue o dia de recriar a mim mesmo. Hoje, vejo e estou cego, ouço e
estou surdo, falo e estou mudo. Nem mesmo o tato é arrebatador. É, pois,
cênico! Choro aqui e gargalho ali. Embalo-me nas ondas clássicas da mijada midiática.
Ou de qualquer onda. É somente uma onda. É uma enxurrada tsunâmica de imprecisos verbos, absorvidos pelos espelhos
eletrônicos que me custam os olhos e as horas. Fragmentos de projeção sem
glória ou substratos de casca e vento? Desnudo-me e, perplexo, percorro meus
próprios campos investidos de medo e complexos. Antes, vou tomar um gole, ou
melhor, vários goles etílicos capazes de impulsionar minha própria sombra nos
salões da fantasia e das efêmeras alcovas. Esqueço-me que os holofotes também
nos cegam. Revisito-me e não sei por quê! Fato é que comi o pão, bebi a água e
arrotei a energia alheia sugada. Só me resta limpar a boca, amassar o
guardanapo e atirá-lo a esmo?
quarta-feira, 7 de março de 2012
quinta-feira, 1 de março de 2012
A Viagem de Saramago
"Caros amigos,
em 18 de junho de 2010, o Silêncio. Apenas alguns segundos de reflexão.
Ainda é possível emocionar-se nessa vida da hipermodernidade? (termo utilizado pelo filósofo contemporâneo francês Gilles Lipovetzky) Ou só nos emocionamos a partir da necessidade do consumo exacerbado, impetrado pelas armadilhas da propaganda e da mídia? Hoje, o "ter" (em demasia) é protagonista em relação ao "ser". Nessa hipermodernidade, e também era do "medo" como ressaltava nosso saudoso geógrafo Milton Santos, tudo parece descartável; inclusive as pessoas. Fenômeno sociocultural muito presente nas metrópoles e que se espalha como tentáculos obscuros para os centros urbanos menores.
Morreu José Saramago. Ou melhor, Saramago voou para o infinito, entre luzes e trevas. "A viagem do elefante” nos deixa um imenso vazio nesses "Ensaios sobre a Cegueira e Lucidez" - humana. Tanto como voz das "letras portuguesas", como expoente do grito de liberdade humana e contestação política, inclusive da própria noção de democracia. Portugal acordou triste. O mundo ficou mais triste. Eu também fico triste. E, ao emocionar-me diante de tamanha perda, percebo que ainda posso ter momentos de profunda lamentação. Esse Nobel da Literatura nos conforta pela obra que herdamos sem fazer qualquer esforço.
Fico a pensar o que será das letras em mundo cada vez mais veloz e contraditório. Vivemos entre ser diferente e a indiferença (Lipovetsky), e escassez e ausência de respostas - qualquer que seja. Talvez por isso, fui alimentar-me de mais emoção ao assistir ao filme "Cartas para Julieta". Além de ver a sábia atriz inglesa Vanessa Redgrave, com o brilho em seus cabelos alvos e olhos de azul profundo, cada vez mais acredito estar certo: o cinema nos poupa, ou nos liberta, dos divãs psicanalistas.
Nesse dia intenso de emoção, trabalhamos em nosso documentário sobre os apartados da vida hipermoderna - os pobres; mas não menos isentos e também cúmplices dos impactos do consumismo; do supérfluo. Como Saramago, também vou "cuspir marimbondos" através de imagens, como voz de oposição a esse mundo que insiste em criar (in)verdades e abismos descortinados para os mais desavisados.
E só! Afinal, cartas (e:mail's) são para ser enviadas sem esperar respostas (Villa Lobos).
Toque no coração; apenas!"
Texto originalmente escrito em 18 de junho de 2010
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