quarta-feira, 7 de março de 2012

Almas de Guardanapo



Tenho 22 anos, beirando 23. Logo-logo 24, 25... 27... quiçá! Não escrevo diário, tenho receio de mim mesmo. Receio do que escrever sobre o que desconheço. Eu, eu apenas coleciono vidas inanimadas; réplicas paralisadas de um eu espetacular que lança timidamente movimentos previsíveis, tais quais os espectros. Minha gramática é monossilábica: torpe e curta. Não é à toa que me dirijo a outrem com o artifício da alcunha: Fá, Fê, Si, Rê, Vi. Talvez não tarde e chegue o dia de recriar a mim mesmo. Hoje, vejo e estou cego, ouço e estou surdo, falo e estou mudo. Nem mesmo o tato é arrebatador. É, pois, cênico! Choro aqui e gargalho ali. Embalo-me nas ondas clássicas da mijada midiática. Ou de qualquer onda. É somente uma onda. É uma enxurrada tsunâmica de imprecisos verbos, absorvidos pelos espelhos eletrônicos que me custam os olhos e as horas. Fragmentos de projeção sem glória ou substratos de casca e vento? Desnudo-me e, perplexo, percorro meus próprios campos investidos de medo e complexos. Antes, vou tomar um gole, ou melhor, vários goles etílicos capazes de impulsionar minha própria sombra nos salões da fantasia e das efêmeras alcovas. Esqueço-me que os holofotes também nos cegam. Revisito-me e não sei por quê! Fato é que comi o pão, bebi a água e arrotei a energia alheia sugada. Só me resta limpar a boca, amassar o guardanapo e atirá-lo a esmo? 

quinta-feira, 1 de março de 2012

A Viagem de Saramago


"Caros amigos, 


em 18 de junho de 2010, o Silêncio. Apenas alguns segundos de reflexão.



Ainda é possível emocionar-se nessa vida da hipermodernidade? (termo utilizado pelo filósofo contemporâneo francês Gilles Lipovetzky) Ou só nos emocionamos a partir da necessidade do consumo exacerbado, impetrado pelas armadilhas da propaganda e da mídia? Hoje, o "ter" (em demasia) é protagonista em relação ao "ser". Nessa hipermodernidade, e também era do "medo" como ressaltava nosso saudoso geógrafo Milton Santos, tudo parece descartável; inclusive as pessoas. Fenômeno sociocultural muito presente nas metrópoles e que se espalha como tentáculos obscuros para os centros urbanos menores.



Morreu José Saramago. Ou melhor, Saramago voou para o infinito, entre luzes e trevas. "A viagem do elefante” nos deixa um imenso vazio nesses "Ensaios sobre a Cegueira e Lucidez" - humana. Tanto como voz das "letras portuguesas", como expoente do grito de liberdade humana e contestação política, inclusive da própria noção de democracia. Portugal acordou triste. O mundo ficou mais triste. Eu também fico triste. E, ao emocionar-me diante de tamanha perda, percebo que ainda posso ter momentos de profunda lamentação. Esse Nobel da Literatura nos conforta pela obra que herdamos sem fazer qualquer esforço. 



Fico a pensar o que será das letras em mundo cada vez mais veloz e contraditório. Vivemos entre ser diferente e a indiferença (Lipovetsky), e escassez e ausência de respostas - qualquer que seja. Talvez por isso, fui alimentar-me de mais emoção ao assistir ao filme "Cartas para Julieta". Além de ver a sábia atriz inglesa Vanessa Redgrave, com o brilho em seus cabelos alvos e olhos de azul profundo, cada vez mais acredito estar certo: o cinema nos poupa, ou nos liberta, dos divãs psicanalistas.



Nesse dia intenso de emoção, trabalhamos em nosso documentário sobre os apartados da vida hipermoderna - os pobres; mas não menos isentos e também cúmplices dos impactos do consumismo; do supérfluo. Como Saramago, também vou "cuspir marimbondos" através de imagens, como voz de oposição a esse mundo que insiste em criar (in)verdades e abismos descortinados para os mais desavisados.



E só! Afinal, cartas (e:mail's) são para ser enviadas sem esperar respostas (Villa Lobos).



Toque no coração; apenas!"

Texto originalmente escrito em 18 de junho de 2010

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Traços Entrelaçados

Traços entrelaçados.  Assim nos parece uma maneira preliminar e particular para descrever, sem julgamentos de valor, os conteúdos artísticos que se apresentam nos desenhos de Gustavo Badolati Racca. Seus impulsos, conscientes ou inconscientes, para tingir o campo neutro materializam signos e significados em unidades de expressão muito próximas da semiótica de Greimas. Unidades categorizadas pelos tons e saturação – categorias cromáticas – e pelos contornos, texturas, direções – categorias eidéticas. Os desenhos constroem, desconstroem e reconstroem geometrias capazes de inscrever percepções próprias da psicologia cognitiva, cujo espaço visual induz o observador à formação de imagens imbricadas de sonhos e/ou alucinações, ou pulsões fundamentadas na contramão da culpa. Lembra-nos, aqui, o que é contrário ao senso comum em relação à consciência moral, para a qual Freud compreendia como aquela que nasce da renúncia e não a renúncia às pulsões que advém dela. Se for preciso desafiar as leis, ou a desobediência a sua origem edipiana, é imperativo correlacioná-las ao desejo como propôs Kant. Contudo, a lei é o desejo recalcado como sentenciava Lacan ao perseguir meandros do pensamento kantiano. Mas, se a psicanálise exige debates mais aguçados sobre aspectos comportamentais humanos, interessa-nos neste momento lembrar das transgressões da arte e dos artistas ao construírem estéticas próprias da expressão impulsionadas pela experiência, pelo inconsciente e pelas representações. Os ensaios de Racca transpõem a simples anatomia e a verossimilhança das formas visíveis para a especulação e a experimentação criativa.  Sobre isso, John Dewey (2010), emArte como experiência, sublinha que:


Toda experiência, seja ela de importância ínfima ou enorme, começa com uma impulsão, e não como uma impulsão. Digo ‘impulsão’ em vez de ‘impulso’. Um impulso é especializado e particular; mesmo quando instintivo, é simplesmente parte do mecanismo envolvido em uma adaptação mais completa ao meio. ‘Impulsão’ designa um movimento de todo o organismo para fora e para adiante, e dela alguns impulsos especiais são auxiliares. É a ânsia de alimento da criatura viva em contraste com as reações da língua e dos lábios que estão envolvidos no deglutir; é o voltar-se do corpo como um todo para a luz, como heliotropismo das plantas, em contraste com o acompanhar uma luz particular com os olhos.  (DEWEY, 2010: 143).

Os desenhos que neste painel – Blog – fogem do caricato expressam introspecção, exterioridade, melancolia, carne e memória ou desejo de voos que se fixam no imaginário. Os traços seguem uma linha tênue entre começo e fim para entrelaçá-los sobre a superfície plana e clara, com desejo de extrapolar o campo material.

Desenho: Gustavo Racca